“Cantado” Eu um dia cansado que tava da fome que eu tinha Eu não tinha nada que fome que eu tinha que seca danada no meu Ceará Eu peguei e juntei um restinho de coisas que eu tinha Duas calça velha e uma violinha e num pau-de-arara toquei para cá E de noite eu ficava na praia de Copacabana zanzando na praia de Copacabana Cantando o xaxado pras moças olhar Virgem Santa, que a fome era tanta que nem voz eu tinha Meu Deus quanta moça, que fome que eu tinha mais fome que eu tinha no meu Ceará “Recitado” Foi aí então que eu arresolvi a comer gilete...Tinha um cumpadre meu lá de Quixeramubim que ganhou um dinheirão comendo gilete na praia de Copacabana. Eu não sei não, mas eu acho que ele comeu tanta, mas tanta, que quando eu cheguei lá aquela gente toda já estava até com indigestão de tanto ver o cabra comer gilete. Uma vez eu disse assim prum moço que vinha passando: Ô decente, vosmecê não deixa eu comer uma giletezinha pra vosmecê ver? "Tu não te manca não, ô Pau-de-Arara?" "Só uma, que eu ainda não comi nadinha hoje." "Você enche, ein?" Aquilo me deixou tão aperreado que se não fosse o amor que eu tinha na minha violinha, eu tinha rebentado ela na cabeça daquele pai-d’égua! “Cantado” Puxa vida, não tinha uma vida pior do que a minha Que vida danada que fome que eu tinha zanzando na praia pra á e pra cá Quando eu via toda aquela gente num come-que-come Eu juro que tinha saudade da fome sa fome que eu tinha no meu Ceará E aí eu pegava cantava e dançava xaxado e só conseguia porque no xaxado A gente só pode mesmo se arrastar Virgem Santa,a fome era tanta que inté parecia Que mesmo xaxando meu corpo subia igual se tivesse querendo voar “Recitado” Às vezes a fome era tanta que volta e meia a gente arrumava uma briguinha pra ver se pegava a bóia lá do xadrez. Êta quentinho bom no estômago! Com perdão da palavra, a gente devolvia tudo depois, que a bóia já vinha estragada. Mas enquanto ela ficava quietinha lá dentro, que felicidade! Não, mas agora as coisas tão melhorando. Tem uma dona lá no Lebron que gosta muito de ver é eu comer caco de "vrídrio". Com isso eu já juntei uns quinhentos merréis. Quando juntar um pouco mais, vou-me embora, volto pro meu Ceará! “Cantando” Vou voltar para o meu Ceará porque lá tenho nome, Aqui não sou nada, sou só Zé-com-fome, sou só pau-de-Arara, nem sei mais cantar Vou picar minha mula vou antes que tudo rebente Porque tô achando que o tempo tá quente pior do que anda não pode ficá!